Quatro empregos <br>nas vinhas da ira

António santos

Maria Fer­nandes vivia nos EUA desde os 18 anos. Ma­lika Greene, uma das muitas amigas com quem o Avante! con­versou, des­creve-a como «a pessoa mais doce do pla­neta. Es­tava sempre a ajudar algum amigo». Maria Fer­nandes tinha 32 anos. Glen Carter, o na­mo­rado, contou ao Avante! que ela tinha pe­dido ao pa­trão para tirar a sexta-feira. Maria an­dava a tra­ba­lhar de­mais. «Porque é que queres en­cher os bolsos a esses gajos?» – per­gun­tava-lhe. Mas Glen sabia a res­posta – «não era uma opção, era a única forma de so­bre­viver. Tinha que pagar multas de es­ta­ci­o­na­mento e ar­ranjar o carro para poder ir tra­ba­lhar». O pa­trão acabou por lhe con­ceder a folga na sexta-feira. Era su­posto Glen e Maria terem pas­sado o fim-de-se­mana juntos, mas à úl­tima hora cha­maram-na para ir tra­ba­lhar. Maria aceitou, ou teve de aceitar, e nessa sexta-feira re­gressou aos seus quatro em­pregos. Maria Fer­nandes tinha um full-time e três part-times. Todos na mesma em­presa, a Dunkin Do­nuts, uma ca­deia de res­tau­rantes de co­mida rá­pida. 13 a 14 horas por dia, todos os dias.

«Fui a úl­tima pessoa a falar com ela, na manhã do dia 25 de Agosto», conta-me Glen, um ve­te­rano da guerra do Iraque. «Ela es­tava a ca­minho de casa para ir tomar banho antes do sexto turno. Es­tava can­sada. Es­tava sempre can­sada». Se­gundo o re­la­tório da po­lícia, Maria parou o carro numa es­tação de ser­viço de Nova Jérsia para des­cansar, mas es­queceu-se do de­pó­sito de ga­so­lina aberto (às vezes Maria fi­cava sem ga­so­lina e tinha uma re­serva dentro do carro). Foram esses gases que a ma­taram. Foi en­con­trada sem vida às quatro da tarde, quando a po­lícia abriu o veí­culo. Em de­cla­ra­ções à im­prensa, o te­nente da po­lícia local Da­niel Saul­nier des­creveu o caso como «um trá­gico aci­dente. Era al­guém que ten­tava de­ses­pe­ra­da­mente tra­ba­lhar para so­bre­viver».

Por­tu­gueses ex­plo­rados pelo mundo

Apesar de ter emi­grado para o país mais rico do mundo e ter quatro em­pregos, Maria não tinha se­guro de saúde e, meio a brincar meio a sério, cos­tu­mava dizer aos amigos que «não tinha di­nheiro para ficar do­ente». Maria ga­nhava 10 dó­lares à hora. O na­mo­rado Glen ganha exac­ta­mente o mesmo e sabe bem o que isso sig­ni­fica: «Com este sa­lário nem con­sigo pagar ha­bi­tação so­cial. Tenho que dormir em casa de amigos. E não sou só eu. Toda a gente que eu co­nheço está a passar di­fi­cul­dades». Para vá­rios amigos que não qui­seram ser iden­ti­fi­cados, se o sa­lário mí­nimo fosse mais alto talvez Maria es­ti­vesse viva. Glen é mais as­ser­tivo: «Há dois tipos de pes­soas nos EUA: os super-ricos e os po­bres. Mi­li­o­ná­rios como o pa­trão da Maria não querem saber de gente como nós. E como são eles que mandam neste país, não há lugar para nós.» En­quanto es­cuto Glen, não con­sigo deixar de me lem­brar de uma pas­sagem das Vi­nhas da Ira: «Os EUA não são assim tão grandes quanto isso. Não há lugar para vocês e para mim, para a vossa gente e para a minha, para ricos e para po­bres. Todos só num país, la­drões e gente ho­nesta, es­fo­me­ados e fartos». 75 anos vol­vidos sobre as pa­la­vras de Stein­beck, ainda não havia lugar para a Maria nos EUA. Nem há para o Glen.

Glen e os amigos ti­veram que fazer uma cam­panha de fundos para pagar o fu­neral de Maria Fer­nandes. «Toda a gente quis con­tri­buir. Nós cui­damos uns dos ou­tros, tem que ser assim». O fu­neral foi na pas­sada sexta-feira. Num dis­curso rá­pido, uma amiga disse que «Maria Fer­nandes era uma boa pessoa que só queria ser tra­tada como um ser hu­mano. Não teve di­reito a isso».

Ama­du­recer para a vin­dima

Maria pode ter sido uma boa pessoa, mas não é o tipo de pessoa que a RTP acom­panha no pro­grama «Por­tu­gueses pelo Mundo». Não era ar­qui­tecta, nem de­signer de in­te­ri­ores, nem en­ge­nheira, nem em­pre­sária. Era como a mai­oria dos por­tu­gueses emi­grados. Era uma tra­ba­lha­dora. No en­tanto, ao con­trário co­mu­ni­cação so­cial por­tu­guesa, que ig­norou a morte desta emi­grante, os EUA con­ti­nuam a dis­cutir o su­ce­dido em re­lação às greves que du­rante estes dias abalam os EUA.

No dia 4 de Se­tembro de­zenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores dos res­tau­rantes de co­mida rá­pida dis­seram basta e re­a­li­zaram mais uma greve na­ci­onal para exigir a su­bida do sa­lário mí­nimo para 15 dó­lares à hora. Numa cen­tena de ci­dades, mais de mil tra­ba­lha­dores foram de­tidos. Glen, que ad­mite não saber muito de po­lí­tica, é ca­te­gó­rico: «Está na hora da gente se unir, de nos le­van­tarmos». Stein­beck já o tinha dito antes de outra forma: «Nos olhos dos es­fai­mados cresce a ira. Na alma do povo, as vi­nhas da ira crescem e es­praiam-se pe­sa­da­mente, pe­sa­da­mente ama­du­re­cendo para a vin­dima.»




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